Advogados explicam como funciona a recuperação judicial solicitada pelo Bitcoin Banco
Saiba como esse processo impacta os investidores da corretora.
Nesta segunda-feira, o Grupo Bitcoin Banco entrou com um pedido de recuperação judicial de oito empresas. Uma delas, a corretora Bitcoin Banco, bloqueou os saques de seus investidores em maio deste ano, alegando problemas de fraude no sistema.
Com essa notícia, várias dúvidas surgiram sobre o funcionamento de uma recuperação judicial, como isso impacta os investidores do GBB, bem como se as ações dos clientes contra a empresa podem ser paralisadas.
Para esclarecer possíveis questionamentos, nossa equipe conversou com dois advogados empresariais: Lorenzo Scripes e Gabriel Maciel de Lima. Ambos cuidam dos casos de clientes afetados pelos bloqueios nos saques do Bitcoin Banco.
O que significa recuperação judicial?
A recuperação judicial é um procedimento regulamentado pela Lei 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, utilizado por empresas que estão endividadas e que, por algum motivo, não conseguem ter receitas suficientes para cumprir com seus compromissos. Esse processo permite que essas instituições busquem recompor suas atividades econômicas financeiras.
“[Ela] visa, sobretudo, viabilizar a superação da situação de crise econômica-financeira do devedor com a satisfação das obrigações deste perante seus credores”, afirmou o advogado Lorenzo Scripes.
O sucesso deste procedimento, de acordo com o advogado, depende da aprovação pelos credores do plano de recuperação judicial apresentado pela empresa, que se dará pela formação de uma assembleia-geral.
Se for aprovado, o plano de pagamento é colocado em prática e deverá ser rigorosamente cumprido. Caso não seja aprovado pela assembleia-geral, ou se for descumprido, é decretada a falência da empresa. Neste momento, os ativos da instituição são liquidados e o saldo servirá como forma de pagamento para cumprir as obrigações com os credores.
“Vale lembrar que não se deve buscar a recuperação judicial com o fim de acobertar atos ilícitos. A própria legislação falimentar prevê que atos fraudulentos com fim de obtenção de vantagem indevida constituem crime. O instrumento é eficaz, mas a sua disciplina é rígida”, disse Scripes.
O Grupo Bitcoin Banco entrou com um pedido de recuperação judicial para suas empresas. Podemos considerar essa atitude positiva?
Gabriel Maciel de Lima, advogado empresarial e especialista em direito digital e criptomoedas, disse que não há como precisar a real intenção do GBB com o pedido de recuperação.
“Se for mais uma tentativa de protelar os pagamentos, obviamente não é possível encarar como uma situação positiva para os investidores. Apenas no caso de restar comprovada a apresentação de um plano de recuperação judicial coerente e bem fundamentado, pautado em ações reais e possíveis, a tentativa de recuperação poderia ser compreendida como positiva para os investidores.”
Para Lorenzo Scripes, um pedido de recuperação judicial tem um objetivo positivo, visto que:
“[…]cumprindo os requisitos legais, ela visa a satisfação do direito dos credores. Ela depende de um requisito: que a empresa consiga gerar caixa, gerar receita para arcar com as suas obrigações junto aos credores.”
O que o juiz deve analisar antes de aceitar ou não o pedido?
Segundo Scripes, o juiz analisa os requerimentos legais. A empresa deve apresentar uma série de documentos e suas atividades devem estar de acordo com o que a lei determina.
“Ele vai fazer uma análise de certidões, de quem são os credores e devedores e, a partir de então, ele vai dar um despacho deferindo o início da recuperação judicial e suspendendo as ações que existem em trâmite contra a empresa”, explicou o advogado.
Caso o juiz aceite o pedido, de que maneira isso vai impactar os investidores?
Scripes afirma que será necessário que os investidores aprovem o pedido de recuperação judicial. Uma vez deferida a medida, a lei prevê um prazo para que um plano de pagamento seja apresentado. Se este for aprovado, a empresa começa a executar esse procedimento.
Lima explica que o documento deve sanar todas as obrigações do pagamento:
“O plano de recuperação deve conter, essencialmente, três coisas: a) discriminação detalhada dos meios de recuperação a serem adotados; b) demonstração de sua viabilidade econômica; c) laudo econômico-financeiro e de avaliação dos bens e ativos do devedor. Apenas após o cumprimento desses requisitos é que o juiz poderá publicar edital com um aviso aos credores sobre o plano, fixando um prazo para apresentação de eventuais objeções.”
O que acontece com os processos movidos por clientes do GBB se o pedido for aceito?
Lorenzo Scripes afirma que as ações ficam suspensas por um prazo de 180 dias. Após o término dele, os processos voltam a correr normalmente.
O que acontece se a recuperação judicial não der certo?
Scripes diz que se, por algum motivo, a recuperação não der certo, ela é convertida em falência. “Aí, os ativos da empresa serão liquidados e respeitada a classe dos credores serão utilizados para quitar as obrigações.”
Lima complementa afirmando que, além disso, o proprietário da empresa poderá ter parte do seu patrimônio liquidado para sanar as obrigações das empresas.
“Todavia, para evitar fraudes e eventuais práticas que protelarão os pagamentos, é interessante que, pelo menos, parte dos investidores (credores) se habilite nos autos em referência para acompanhar e contestar as ações do grupo. A exemplo dos danos que os consumidores podem ter que suportar por não acompanharem a recuperação, podemos citar o fato de que muitos investidores, dentre os quais estão alguns dos meus clientes, não estão com o nome na lista, ou estão com os valores alterados.”
O Bitcoin Banco deverá apresentar um laudo econômico-financeiro e de avaliação de seus bens?
“[Temos] que partir da premissa de que a tutela jurisdicional não pode servir para acobertar atos ilícitos. O Bitcoin Banco deve comprovar [sua situação], e aí entra um trabalho muito técnico que provavelmente será atribuído a peritos especializados [para] que apurem o que aconteceu. […] Sem sombra de dúvidas, a empresa deve estar no estrito cumprimento legal”, informou Scripes.
Esse processo deve se prolongar por um longo período?
“Sim. Na prática, a gente vê que, não raras vezes, as recuperações judiciais se estendem [por alguns] anos ou quando são convertidas em falência por mais tempo ainda”, afirmou Scripes.
Vazou uma lista do Bitcoin Banco contendo informações de vários clientes — como endereços, CPFs e valores investidos na corretora. A GBB tem alguma responsabilidade sobre isso?
Scripes disse que no caso de pedidos de recuperação judicial, um dos requisitos legais é a apresentação de uma lista dos credores.
“Naturalmente, espera-se que esses credores sejam identificados, isso provavelmente acontece por meio do CPF. Ela tem que indicar não só quem são os credores, como o quanto ela deve para cada um deles.”
Alerta para os investidores
Os advogados entrevistados enfatizaram a importância dos credores e de seus advogados em acompanhar atentamente os próximos passos do Grupo Bitcoin Banco, principalmente no que diz respeito à recuperação judicial.
“Isto porque, conforme abordado anteriormente, o Grupo deverá apresentar um laudo econômico-financeiro e de avaliação dos bens e ativos, o que obrigatoriamente envolve informar também o paradeiro dos milhares de Bitcoins indevidamente retidos”, disse Lima.
Você acredita que esse pedido é uma manobra ou irá, de fato, resolver a situação?Deixe seu comentário.